quarta-feira, 4 de junho de 2008


I caught Tara laughing with another man.
Are you sure they weren't just kissing?
No, they were laughing...

Pela Baixa

Há tempos a Atlântico convidou Maria Filomena Mónica a passar uns dias em Lisboa como turista. Pagou-lhe o hotel, os restaurantes, e pediu-lhe para contar como foi. O resultado foi o esperado: muito azedume e descontentamento pela sua cidade. Toda? Toda não. Como a Gália do Astérix, uma aldeia de camponeses resiste ao invasor: MFM confessou-se incapaz de maldizer a Baixa lisboeta, num misto de saudosismo (surpreendente em MFM) e rendição perante a beleza. Apesar da degradação - defendia a autora e eu acho importante concordarmos com ela - a Baixa ainda é um hino a uma beleza regrada e eficaz, um oásis de ordenamento e racionalidade. E com a chegada dos emigrantes, a Baixa já não é só uma experiência esteticamente recompensadora mas é também a área mais cosmopolita da cidade, sem o folclore-chique do Chiado ou o folclore-típico de Alfama. Na Baixa cruzam-se os que lá vivem há «mais de cinquenta anos», os congoleses e costa-marfinenses, os turistas dinamarquês e alemão, o «jovem», a Zara, a casa de gelados italianos (ali na rua da Prata, recomendo vivamente), a Calzedonia, a FNAC, os malucos (há muitos malucos na Baixa), os bêbados, os emigrantes PALOP que se juntam numa discoteca chamada «Açores», os restaurantes in, os restaurantes out, o artista de rua com talento, o artista de rua sem talento, as manifestações de esquerda da CGTP, as manifestações de direita dos taxistas, a praça mais bonita do mundo.

Vai custar-me abandoná-la (se isso vier a acontecer.)

domingo, 30 de dezembro de 2007

Da janela



quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Desconcerta, o imigrante

O que o faz pegar na família e atravessar meio globo, para aterrar neste lugar estranho, onde se fala uma língua incompreensível, cheia de esses e xes e lhes e nhes, e onde o sol brilha permanentemente sobre o ar acabrunhado dos transeundes?

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

Intriga no 3.º dto

Facto 1: a primeira pessoa que observei a entrar e sair com chave do 3.º dto era uma aloirada com um sotaque. Chamei-lhe a "espanhola", apesar de o meu marido insistir que era italiana.

Facto 2: apresentou-se, quando a encontrei, certo dia, ainda antes de me mudar definitivamente para cá, no hall da entrada do prédio. Já não me lembro do nome, confirmei que tinha sotaque e um aperto de mão flácido.

Facto 3: Aquela noite. Oiço berros e pancadas na porta e discussão com um homem que culmina num bater violento da porta. Depois disso a campainha do 3.º dto (a sua porta é mesmo em frente da minha, por isso me apercebo) toca ininterruptamente.

Facto 4: Na noite seguinte as amigas dela invadem o prédio para o que imagino ser uma jantarada de consolo.

Facto 5: Nunca mais se avistou a espanhola, depois do episódio e do consolo, já lá vão três meses.

Facto 6: Percebo que o 3.º dto. está habitado, agora pelo homem que interveio na discussão (concluo), que foi avistado apenas duas vezes desde aquela noite, mas nunca antes disso, e cuja presença se sente frequentemente (ouve música alto e, de quando em vez, bebe uns copos e parte a porta da entrada do prédio).

Pergunta: Existe alguma possibilidade de a espanhola não estar cortada às postas no congelador do bêbado?

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

A noite

Noto, não sem algum pesar, que se começa tarde a viver na Baixa.

Talvez disto não partilhe quem vive bem de noite, mas eu nunca gostei dela. Sempre achei pérfida a forma como hiperboliza os problemas convencendo-nos que só junto dela compreendemos a sua real dimensão. A noite sempre se me apresentou assustadora, mentirosa e terrivelmente persuasiva. Por isso não gosto do breu, nem para dormir melhor. Uma réstia de luz acompanha o sonho dos justos. Por isso me apoquenta ver o quiosque dos jornais a abrir as portas às nove da manhã, o fornecedor a cumprir ainda mais tarde e o metro à pinha às nove e meia...

O dia demora a começar na Baixa. Temo, por isso, que a noite tarde em acabar.

sábado, 1 de dezembro de 2007

O Pedinte II

O pedinte que está hoje, por coincidência, no Expresso.

sexta-feira, 30 de novembro de 2007

O Pedinte

O indivíduo é inconsistente na sua condição. E não pode deixar de se admirar o inconformismo no desespero. A verdade é que o apaziguamento do desistente, a indiferença de quem a vida confinou à sobrevivência e a total e absoluta ausência de esperança, perspectiva e amor não se denotam no sujeito em causa. Que grita, que insulta e troça, que se mostra zangado com todos os que têm e que, como tal, lho devem. Que não baixa os olhos, que olha de cima, que assusta, não fora o único que, por natureza, não o pode. Não. Não é apenas matéria orgânica o que ali está.

quinta-feira, 29 de novembro de 2007

O nome

«A Cruz de Santo André» por óbvios motivos arquitectónicos. À nossa frente estão várias, na obra do outro lado da rua, feitas em aço, um aparente contra-senso, uma reinterpretação contemporânea de um modo de construir datado, que é um reflexo daquilo que se passa na Baixa: as coisas têm tendência para ficar como estão, apesar de toda a paixão colectiva que parece haver sobre este sítio. «A Cruz de Santo André» também como metáfora de um hipotético castigo que é viver na Baixa, castigo absolutamente inexistente na prática - apareçam - mas omnipresente na cabeça dos nossos contemporâneos. Aqui não há lugares de garagem, não há áreas amplas, não há parques infantis. Mas há um desenho urbano que nos orgulha, ordenado e europeu, e há também a praça mais bonita do mundo, que eu quase vejo da minha janela. E há, sobretudo, um conjunto enorme de memórias lisboetas, de uma geração que já não é a nossa mas que nos reconforta um bocadinho.